Críticas

PARECER CRÍTICO SEM TÍTULO

Por Helena Katz
Em tempos nos quais quase não mais existem grupos e a maioria entende que o único caminho possível na dança contemporânea é ser criador de suas próprias idéias, a  discussão sobre o papel da coreografia é mais do que oportuna. Se você esta ligado nisso,tem de amanhã até domingo para assistir o projeto Investigações Dramatúrgicas, que Vanessa Macedo e a Cia Fragmento esta realizando no Kasulo Espaço de Cultura e Arte, localizado na Barra Funda. Quem esta em cena não é a companhia, mas três artistas convidados reunidos no espetáculo Sem Título: Angela Nolf, Lavinia Bizotto e Roberto Alencar. Cada um aprendeu a mesma coreografia de 15 minutos criada por Vanessa Macedo e escolheu como vai apresenta-la. Ao fim de cada apresentação, esta programada  uma conversa com o público e os mediadores convidados (Rosa Hércules, Bergson Queiroz, Silvía Geraldi e  Nirvana Marinho). 
Em entrevista por telefone, Vanessa, que criou e dirige a Cia. Fragmento desde 2002, conta que tudo começou em 2011, quando convidou alguns artistas para fazerem uma intervenção em uma obra sua que estava estreando, Anjos Negros " O espetáculo havia sido criado sem eles, e a proposta era que arranjassem  um modo de dialogar com a obra, que já estava pronta. Essa experiencia me levou a questionar a artesania do ato de coreografar uma partitura que se fecha produz uma dramaturgia que se sustenta em ambientes diferentes daquele no qual foi criada. Para investigar isso, convidei três profissionais de formações inteiramente diferentes e que nunca haviam trabalhado juntos para lidarem com o meu modo de coreografar e o tipo de vocabulário que venho desenvolvendo" . A coreografia é a mesma, porém cada um vai encená-la do seu jeito. Os três trabalharam juntos de outubro até o fim de janeiro e também com  membros da companhia. "Começamos com a metodologia de três duetos, nos quais um membro da companhia manipulava o convidado. Cada um dos três convidados tinha uma 'sombra' em um "corpo junto' .
 A intenção foi a de produzir a sensação de, mais adiante, dançar com uma ausência, pois o manipulador desaparecia. Buscava testar os limites entre o que se entende por ser fiel e criar uma maneira própria de realizar o que  esta pronto". Vanessa, que tem uma longa trajetória de atuação em companhia, identifica a possibilidade de ser intérprete  criador em uma coreografia fechada. Mas aponta a dificuldade, hoje em dia, em encontrar quem queira trabalhar assim. "Não se trata de repetir a coreografia como se fosse um trabalho braçal somente, mas de buscar o corpo presente a cada vez que se dança, seja uma coreografia ou algo sem partitura desenhada". Deixando claro que não se trata de um work in progress, mas de um resultado cênico, explica a intenção do projeto Investigações Dramatúrgicas: "Minha pergunta é: que força tem a coreografia 'partiturada' na construção da dança? "Ainda sem resposta te uma grande curiosidade: "Será que o público vai reconhecer que se trata de uma mesma coreografia?"





PARECER CRÍTICO ECOS          

Por Helena Katz
Uma proposta instigante: usar trechos das próprias obras, mas escapando da metodologia da colagem. Ecos, de Vanessa Macedo, fundadora da Cia. Fragmento, surge desse interesse. Uma primeira versão estreou no ano passado, foi mostrada apenas quatro vezes nas semanas de Dança do Centro Cultural São Paulo, e retorna agora, em temporada no Espaço Kasulo até dia 27. A companhia comemora dez anos, e ao representar Ecos, como que revisita seu percurso, uma vez que nela são reunidos trechos de outras obras de sua coreógrafa e diretora.
O mais interessante parece ser a possibilidade de se observar a recorrência no modo como Vanessa cria as suas danças. As obras são distintas, mas o modo de trabalhar as emoções e sentimentos como personagens construídos coletivamente pelos bailarinos alinhava todas. Essa característica distingue a sua produção. Tudo parece reunir-se em torno desse tipo de personagem, que precisa ser construído por cada um dos bailarinos, mas não é exclusivo de ninguém. Pertence à obra, emana dela. Os movimentos capazes de contruí-lo estão singularizados em cada um, revelando os méritos de quem os realiza, mas o personagem não é de ninguém, nasce do trabalho de todos. Com esse entendimento, que se torna um eixo do que vem realizando coreograficamente, a Cia. Fragmento vai consolidando a sua proposta de teatralização da dança.

A estrutura de Ecos transforma pedaços de obras em uma nova dramaturgia. Esse jeito de revisitar criações anteriores exige um olhar sensível para decidir o que pode/deve ficar lado a lado e como pode ser ligado.E a possibilidade de fazer nascer uma nova obra a partir daí se ata a uma necessária sintonia entre o material reunido - e que Ecos realiza com competência.
É justamente esse tipo de articulação dramatúrgica que também acontece no tecido coreográfico. Uma das características  da produção de Vanessa está no colocar bailarinos em proximidade sem que estejam, de fato, dançando juntos. Mesmo nos seus duetos e trios, as pessoas usam os corpos umas das outras como objetos. Parecem engajados em uma atividade - no caso, a de dançar - que consome todo o seu interesse para ser realizada, nada sobrando para dividir, compartilhar. Parecem seres sem exterioridade, imersos em si mesmos.
Trocam-se as obras - que podem nascer em torno de Cecilia Meireles, Frida Khalo, Tracey Emin ou Virgínia Woolf - , mas não o ambiente que privilegia o sombrio nem as dinâmicas de repetição dos movimentos e os focos nas partes do corpo. E isso vai tecendo uma coerência sólida no desenvolvimento de um processo de criação que tem clareza de propósitos e da maneira de testa-los.
Além da própria Vanessa, a Cia. Fragmento é formada por Chico Rosa, Danilo Firmmo, Jessica Moretto, Maitê Molnar, Urubatan Miranda e Ádia Freitas.
Talvez o exercício de produzir Ecos, essa espécie de obra síntese do pensamento coreográfico de Vanessa Macedo, tenha vindo para clarear o caminho para a sua continuidade. 


PARECER CRÍTICO ANJOS NEGROS

 Por Sofia Cavalcante
Anjos Negros inicia-se com uma mulher, com roupa masculina, que anda às voltas de costas, recolhendo em torno do pescoço um fio, como quem desfia uma malha e se prepara para refazer um novo novelo. Ou como quem percorre o caminho de volta de um labirinto e não pode olhar para trás/frente. Uma versão refratada e conjugada de Ariadne e Eurídice. A trama no entanto é um longo emaranhado no chão e a mulher não olha para ele: apenas desemaranha o fio. Em ritmo contínuo, sempre evoluindo de costas a ela vão se juntar mais duas mulheres, também em trajes masculinos. Esse andar às voltas vai aos poucos, quase imperceptivelmente, evoluir para uma movimentação dançada. Olhando o que fica para trás no andar e ignorando o que está em seu caminho pela frente. Essa imagem é por si muito forte, pois reforça uma atitude que privilegia um certo deixar-se conduzir às cegas num percurso obscuro. É o tema dominante do trabalho, esse sentido do movimento que se repete em diferentes nuances em quase toda sua construção. A música é contínua, a dança também. Seu desenvolvimento em conjunto parece minimalista - variações pequenas vão se introduzindo e intercalando sem ênfase, quase imperceptivelmente. A sensação é a de um mergulho em um sonho.

O ponto de partida de Anjos Negros é a escritora inglesa Virgínia Woolf, não uma obra específica, mas a própria autora, a relação de sua vida com sua obra, reverberam nas impressões das próprias intérpretes da companhia Fragmento de Dança dirigida por Vanessa Macedo.


A direção e a concepção são bastante precisas. As intérpretes muito boas. Essa abordagem continua o foco principal da companhia que é explorar o “estatuto da arte confessional, relacionando vida e obra” e “discutir emoções, afetos e sensações universais a partir de referências mais íntimas vindas dos personagens pesquisadas e das intérpretes”. O espetáculo evolui na atmosfera onírica, onde imagens se sucedem, desfazendo emaranhados e tramas e refazendo-os, com ações sem começo nem fim.

Há um momento de toque surrealista que se destaca deste fluxo contínuo de desfazer e refazer caminhos. As três intérpretes trazem um guarda chuva aberto com rosas que estão de cabeça para baixo sob sua aba, Levam-nas para uma mesa no canto, para a posição em pé em cima da mesa com as flores para cima, e novamente colocam-nas de ponta cabeça em baixo da mesa. Enquanto executam essas ações falam de como cuidar e plantar rosas, e dos vermes que arejam a terra. No final da cena repetem o texto caminhando de costas pelo chão como vermes e seguem sua dança.

Por Cid Campos
Virginia Woolf é, sem dúvida, uma excelente fonte de inspiração.  Sua vida conturbada, cheia de

ápices e depressões,  de angústias...

Assim, o espetáculo traz à cena uma gama de possibilidades exploratórias inspiradas em atitudes, virtudes e devaneios da autora.

Harmônicos dissonantes de um cello à distância fazem contraponto com piano e criam uma textura sonora para a bailarina desenvolver a sua dança sobre um emaranhado de ―fios-teia‖, passo à passo, num constante enrolar de um novelo sem fim. Juntam–se a ela mais duas bailarinas, numa suave conexão de fios que envolvem a delicadeza da pele de seus corpos.
A teia de fios desaparece momentaneamente e agora, vestidas com uma espécie de terno, desenvolvem solos, duos e trios, sob a melodia de cellos em acordes e harmônicos. O contrário, o oposto, o andar de costas, criam uma sensação anti-tempo, marcada por uma ampulheta colocada estrategicamente na boca de cena.


Num outro seguimento um guarda-chuva cravejado de rosas presas de ponta cabeça em sua parte interna, é acompanhado por um som de agulha em LP, simulando uma chuva de ruídos e rosas, sincronizada com uma fala frenética sobre como plantar rosas, protagonizada por três das bailarinas, envolvendo o espectador com o texto, o som e a plasticidade da cena surrealista.
O ―infinitofio‖ continua a ser manuseado ao som de cordas e sinos remetendo à busca contínua de um tempo sem fim.

Solos, duos, trios em sincronismo se desenvolvem, até ficar apenas um som de cello, no escuro, fechando a cena e deixando um espaço aberto para o pensar.


Marcos Gallon 
A incorporação de textos da literatura universal como elemento detonador de dinâmicas e estruturas narrativas pela dança não é algo novo. Nesses casos, a dança funciona como um instrumento de tradução literal para o corpo de sentimentos e sensações originalmente criadas para o papel. Não é o caso de Anjos Negros da Cia. Fragmento de Dança. Na obra, o grupo utilizou a atmosfera que permeia a literatura de Virginia Wolf apenas como elemento de partida para abordar questões que vão alem da simples tradução para o corpo de tais dinâmicas.
Logo na primeira cena, vê-se uma mulher que se desloca sobre um emaranhado de fios e que lentamente o enrola em seu pescoço. A metáfora de um ser que pretende encontrar um significado para a vida é óbvia, principalmente para os que conhecem a obra e a biografia de Wolf. A cena faz lembrar também a espera solitária de Penélope, mulher de Ulisses, herói da “Odisséia‖, de Homero. Tal espera revela em Anjos Negros um estado de suspensão característico do estar fora do lugar, a inadequação do ser atual ao seu tempo e ao seu lugar.
O palco é o que estamos habituados a ver na dança contemporânea: totalmente aberto, revela a dimensão total do espaço cênico muito bem dimensionado pela cenografia e utilizado pelas dançarinas. Após alguns minutos, uma das ―Virgínias‖ abandona seu estado catatônico de observador passivo que espera e rompe com a geometria do triângulo criado por ―Virginia Tessarolo‖, ―Virginia Macedo‖ e ―Virginia Moretto‖. Trata-se de Ana Botosso, uma das artistas convidadas pelo grupo para a cada nova apresentação da obra incorporar a ação.

Tal procedimento aponta para a ruptura na homogeneidade da ação sugerindo um confronto que nem sempre agrega elementos agradáveis à narrativa, mas que, no limite, cria uma fissura, um elemento estrangeiro. E a dança vaza de seu próprio domínio, pois incorpora a fisicalidade característica dessa intérprete, sugerindo que não há verdade, que não há coesão, mas que são muitas as verdades, como são muitas as linguagens que simultaneamente habitam o mundo.                                                                                     CRÍTICA SEM TÍTULO 



                  

                    CRÍTICA  ECOS





CRÍTICA DE SOB A NUDEZ DOS OLHOS


CRÍTICA BEIJE MINHA ALMA



CRÍTICA CORPOS FRÁGEIS