quinta-feira, 22 de abril de 2010

Corpos Frágeis - Crítica de Ana Teixeira


Corpos Frágeis oscila entre força e fragilidade
Por: Ana Teixeira

O novo espetáculo da Cia. Fragmento de Dança – Corpos Frágeis, assinado pela diretora da companhia, Vanessa Macedo – tem como questão central os aspectos existenciais que geralmente são considerados opostos: vida e morte, dor e criação, fragilidade e força. Essas oposições estão contextualizadas no livro Corpos frágeis, mulheres poderosas, de Maria Martoccia e Javiera Gutièrrez, fonte de pesquisa dessa produção, que traz o universo de nove mulheres que promoveram importantes contribuições nas áreas da arte, da ciência e da política. São elas: Judy Garland (1922-1969), Maria Callas (1923-1977), Simone Weil (1909-1943), Madame Curie (1867-1934), Katherine Mansfield (1888-1923), Frida Kahlo (1907-1953), Virginia Woolf (1882-1941), Billie Holiday (1915-1959) e Jacqueline du Pré (1945-1987). Ao explorar os aspectos dessas emblemáticas figuras, Vanessa adentra num terreno em que a elaboração de movimento é envolvida por uma atmosfera que pretende ter uma densidade íntima, em que a fragilidade, a instabilidade e a tensão são os substantivos que circunscrevem os estados corporais.
Na pesquisa encontram-se traços de coreógrafos como Henrique Rodovalho e Sandro Borelli, com os quais Vanessa vem dialogando ao longo de sua carreira e que estão sendo continuamente revisitados, e nesse desafio aponta para um discurso próprio. Esse é o quarto espetáculo coreografado por ela. Os anteriores foram: Versos da última estação (2007), Sob a nudez dos olhos (2008) e Beije minha alma (2008). Todos têm como marca a lapidação gestual, que busca traduzir as emoções, os conflitos e as sensações humanas. Outra característica de seus trabalhos é a familiaridade com a movimentação criada para o plano baixo do corpo e a ênfase na produção de vocabulário a partir das articulações num tempo distendido, estanque, violento, lento e fragmentado. Em Corpos frágeis acentuam-se essas características, que se mesclam produzindo outras possibilidades do corpo no espaço, em constante provocação, gerando um deslocamento intenso no palco.
Com poética cênica sofisticada – iluminação, trilha sonora, figurino e objetos –, em vários momentos a escrita coreográfica fica sucumbida quando em relação a essa poética. Nessa perspectiva de ações que acontecem em simultaneidade e em contágio, o espetáculo escorrega numa tendência de narrativa em que todos esses elementos se manifestam quase num mesmo tom, e as camadas que poderiam dar diferentes texturas para a obra ficam presas nessa recorrência. A maneira como os intérpretes vão ressignificando os objetos da cena pede ajustes. Essa engrenagem ora produz um discurso em que a similaridade de acontecimentos vai descrevendo a próxima cena, ora provoca um estado de suspensão dormente no espectador.
Do elenco atual participam: Danilo Firmo, Érica Tessarolo, Jéssica Moretto, Maercio Maia, Orlando Dantas, Priscila Lima e a própria Vanessa Macedo (*Carolina Minozzi e Patrícia Árabe), que, com competência, realizam os movimentos com clareza e acabamentos requintados. Nessa fase inaugural, de experienciar a obra na cena, um entendimento mais verticalizado do contexto que se está discutindo evitaria a imposição de alguns hábitos, principalmente o de se deixar envolver pela ambientação cênica, como se as sucessões de percepções corporais necessitassem, para ter visibilidade, de uma dose de dramaticidade teatralizada.
A artista Ângela Nolf vem acompanhando a trajetória da companhia na qualidade de assessora artística. Nessa função, o trabalho maior está em estimular e articular, a partir de um olhar externo, interrogações que, muitas vezes, quem cria e interpreta tem dificuldade de perceber e das quais, consequentemente, também é difícil se distanciar.
O jogo de sentimentos e de cruzamento de sensações proposto no espetáculo promove uma dramaturgia em que a tensão parece estar no que não podemos captar a olho nu, e é aí que a discussão se torna interessante. É nesse ponto que a obra pede por uma atenção especial. Quem sabe, fazer um recorte mais específico sobre o que se quer comunicar, não intencionando, simultaneamente, o universo de nove ícones femininos.
Em sua totalidade, Corpos frágeis nos convida a acompanhar atentamente o trabalho que vem sendo desenvolvido por Vanessa Macedo e a torcer para que ela tenha suporte para continuar praticando a arte de coreografar. Aqui, vale a pena apostar!


Ana Teixeira é artista, pesquisadora, doutoranda em Comunicação e Semiótica (2009-PUC/CNPq/SP) e mestre pelo mesmo programa (2008). Atualmente é pesquisadora e redatora para a Enciclopédia Itaú Cultural de Dança.

* Acrescido pela Cia fragmento ao texto original.


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